Isabela Figueiredo, que tem como nome verdadeiro Isabel Maria Figueiredo de Almeida Santos, inspirou-se no nome da atriz Isabela Rossellini para a sua identidade literária. Diz a propósito: “Isabel é um nome bonito. A minha mãe pôs-mo porque é um nome bonito, mas é um bocadinho datado. Isabela é mais contemporâneo. Também tenho direito a um pouco de fantasia na minha vida”.
Isabela tornou-se uma referência na literatura quando em 2009 lançou o livro “Caderno de Memórias Coloniais”, em que narra a sua infância em Moçambique e os primeiros tempos em Portugal, na situação de “retornada”. Uma autobiografia que diz ser um acerto de contas com o passado colonial português, onde assume a admiração e a deceção com o pai, que foi capaz de atos que ela condena. “Eu tinha de contar aquela experiência horrível e bela, ao mesmo tempo”, nota.
Para explicar mais à frente: “A minha infância foi bela porque nasci num país belo, porque era muito inocente, e fui muito bem tratada pelos meus pais. E foi horrível porque a certa altura eu compreendi que o meu pai era um agente colonizador e tratava os africanos de forma incorreta”.
Em 2016 volta a dar que falar ao publicar o seu primeiro romance, “A Gorda”, distinguida com o Prémio Literário Urbano Tavares Rodrigues, e que tem como protagonista uma mulher com excesso de peso que resolve reduzir o tamanho do estômago. Uma obra de autoficção, onde Isabela Figueiredo nunca diz o que é ficção e autobiografia porque quer que “os leitores se percam na história”.
A solidão regressa ao centro do livro que se segue, “Um Cão no Meio do Caminho”, lançado em 2023. A história ficcional de um homem de meia-idade, recoletor de lixo, reflete a “forma” da escritora “pensar o mundo”. Quando a sua vida se ausenta do que escreve, os seus “medos, desejos e forma de olhar para o mundo” ocupam-lhe o lugar. “Em alguns casos inspiro-me nas minhas vivências. Mas, de forma geral, é no real: no que vejo lá fora, no que ouço, e no que trago para casa dessa vivência, porque eu reflito sobre aquilo que vivo e há valores meus que querem expressar-se. Eu sei que o faço bem se escrever”.
DA CIDADE À ALDEIA
Há cerca de três anos, Isabela Figueiredo mudou-se com as duas cadelas, Serra e Marisol, para Santana do Campo, uma pequena aldeia a dois passos da vila de Arraiolos, para fugir ao barulho das obras no apartamento ao lado do seu, em Almada. Na altura estava a escrever “Um Cão no Meio do Caminho”, sendo impossível continuar o trabalho naquelas condições.
Santana do Campo aconteceu por acaso, e muito porque a senhoria da moradia arrendada aceitou a presença das companheiras de quatro patas. “Vim ver a casa, e no dia seguinte mudei-me. Só fui ao apartamento buscar o computador, a roupa, e alguma coisa para co- mer”.
Um ano depois comprou a casa que é agora a sua residência habitual, ainda que mantenha o apartamento em Almada, onde regressa quando a solidão no Alentejo lhe pesa. Mas ao fim de três ou quatro dias está pronta para voltar. “Já não aguento o ambiente da cidade, é muito hostil. Então, quero rapidamente vir para a minha aldeia, onde existem dois cafés e uma mercearia. É aqui que me sinto bem. Isto é giro e muito calmo, e eu gosto da calmaria que aqui se vive”.
A adaptação tem sido boa. Mas a escritora sente que continua a ser “a pessoa estrangeira” para a comunidade local. “Sinto que as pessoas olham para mim como a pessoa de fora, que tem hábitos diferentes dos da aldeia. Tenho um nível de liberdade como mulher que as mulheres na aldeia não têm. E isso faz com que eu seja olhada, por vezes, com certa desconfiança”. Vive com a diferença cultural, mas não a valoriza, pois sentir-se-ia “muito mal” se assim fosse. Continua a ir ao café, para ser a única mulher no meio de dezenas de homens.
Quando, há dias, perguntou aos homens onde estavam as mulheres, disseram-lhe que estavam a arrumar a casa e a ver novelas.
O quintal, o jardim e o pomar, que já foi plantado por ela, são a extensão da casa. Tem quase tudo: ervas aromáticas, abóboras, ervilhas, árvores que comprou pequenas e já cresceram. Agora é tempo de podar, tarefa que confessa estar um “bocado atrasada”. Isabela Figueiredo confessa que tem um prazer especial em mexer na terra. “Muito do que eu sou vai parar à terra”, observa.
Com a experiência de ter concluído “Um Cão no Meio do Caminho” já na aldeia alentejana e a escrever um novo livro, diz que é “sobretudo o ambiente, a proximidade da natureza” do lugar que lhe inspira a escrita. O livro que Isabela Figueiredo quer que saia este ano vai ser todo escrito na aldeia de Arraiolos. Ainda não tem título, mas a escritora adianta que vai regressar “um pouco” à temática de “Cadernos de Memórias Coloniais”, não sendo uma autobiografia.
Antes de viver da literatura, Isabela foi jornalista no “Diário de Notícias” (DN) e professora do ensino se- cundário. Sendo que ao 22 anos publicou o seu primeiro livro, “Conto É Como Quem Diz”, assinado com partes do seu nome: Isabel Almeida Santos.
“Eu achava que era impossível viver da escrita porque se ganha pouco de direitos de autor e porque, para se ter oportunidades de ganhar dinheiro, estar em eventos, de nos convidarem para escrever peças de teatro, etc., implica ter já uma carreira muito longa e muito séria”, justifica. O “problema” foi ter continuado “insatisfeita” com a profissão de professora, pelo que aproveitou uma oportunidade “surgida há uma dezena de anos” e saiu do ensino com uma pequena indemnização do Estado.
Sabia querer dedicar-se à escrita. Mas o “sucesso disso”, lembra, “era um bocadinho incerto”, pois só tinha escrito o “Caderno de Memórias Coloniais” que, no entanto, era uma boa referência”, classificado como uma das obras mais relevantes da década pela escritora Maria da Conceição Caleiro e pelo ensaísta Gustavo Rubim, no suplemento cultural do “Público”.
O passo seguinte foi procurar o “editor certo”. Bateu à porta da Caminho, e o livro “Cadernos das Memórias Coloniais” teve segunda edição. “A partir daí comecei a ganhar muitos leitores e a mover-me muito bem no mundo da literatura, o que fez com que chegasse aqui, a um ponto em que acho que já tenho trabalho a mais. No início achava muito difícil conseguir viver da literatura, mas a verdade é que já consigo. Não sou rica, mas consigo viver da literatura”.
Além do livro que vai escrever e que prevê lançar este ano, assina uma coluna semanal no jornal “Expresso” e está a escrever duas peças de teatro que lhe foram encomendadas, para além de responder a vários pedidos que lhe vão sempre chegando por email. Com uma peça no início e outra mais completa, fala de uma experiência que lhe dá particular prazer: gosta de escrever dramaturgia. “Adoro escrever diálogos! Gosto muito de escrever diálogos bem picados, curtos: pá, pá, pá. Gosto muito deste tipo de escrita. Adoro fazer diálogos com humor e com ironia. Ou não. Ou com dramatismo. Mas têm de ser picados e intensos”.
Isabela Figueiredo reconhece que há “muito humor também” na sua escrita, porque ela é “alguém que gosta de rir e de rir com os outros”. A vida, sublinha, “vive-se melhor com esta capacidade de olhar para as coisas com leveza”.