Asterix opôs-se à invasão da Gália pelas legiões romanas graças à poção mágica preparada pelo velho druida. Nas famosas estórias de Goscinny e Uderzo, a poção mágica é metáfora da astúcia e perspicácia a que os pequenos e fracos podem recorrer para vencer os grandes e fortes.
Foi assim, aliás, que os mamíferos sobreviveram no tempo dos dinossauros: eram pequenos, noturnos ou fossoriais (alguns, como as toupeiras, ainda o são). Quando os temíveis gigantes desapareceram, muitos dos pequenos puderam tornar-se grandes e viver à luz do dia.
Em Évora, instalaram-se grandes superfícies comerciais, nomeadamente no domínio do “bricolage”. Vendem tudo o que um amador poderá ambicionar para se dedicar à construção, à carpintaria, a reparações elétricas, a pinturas, à jardinagem, etc. Tudo? Não… quase tudo!
Um sem-número de produtos escapam às grandes marcas, pelo menos com os seus nomes tradicionais (facas corticeiras, sabão azul e branco, aguarrás, soda cáustica…). É neste contexto que a Casa Bacharel – vulgo, Drogaria Azul – aberta desde 1896, cavou o seu nicho comercial e cultivou um modo muito próprio de atendimento, graças ao qual o público não dá pelo tempo de espera.
A Drogaria Azul é um admirável exemplo de resiliência em tempos difíceis para o comércio tradicional. Mas desengane-se quem pensar transpor este exemplo para outro ramo qualquer. Cada um requer a sua própria argúcia; e Évora bem precisa que os lojistas reflitam em como criar o seu nicho comercial num mundo dominado pelos “hipermercados”.
Acabámos de celebrar o 38.o aniversário da classificação do Centro Histórico de Évora como Património Mundial, e dentro de dois anos a cidade engalanar-se-á para receber a distinção de Capital Europeia da Cultura. Por tudo isso, é confrangedora a decrepitude que a cidade patenteia.
A decrepitude é desde logo evidente na falta de higiene urbana; injustificável face aos recursos técnicos que se encontram ao alcance das autarquias. Mas é-o também no que concerne ao co- mércio. Percorrendo as ruas do Centro Histórico, encontra-se um sem-número de lojas, que no passado eram emblemáticas, encerradas, muitas delas exibindo as montras cobertas por papel pardo. Deprimente!
É certo que não compete à autarquia determinar a tipologia das lojas que deverão guarnecer o Centro Histórico, mas não se pode limitar a “encolher os ombros” como se “nada fosse consigo” face aos inúmeros imóveis, privados e do Estado, abandonados! (sem habitantes, o comércio de proximidade perde viabilidade).
Por outro lado, a autarquia deveria chamar a si a reflexão pública sobre o perfil do comércio a instalar-se no Centro Histórico, não na perspetiva de reunir argumentos para proibir, mas de dispor de informação maturada para aconselhar e incentivar. A experiência testemunhada por outras cidades e o conhecimento gerado nas academias constituiriam seguramente um contributo precioso para melhor delinear o perfil do comércio e evitar a proliferação de “chineses” em espaços nobres.