Luís Godinho: “Da Malagueira, enquanto centro de pastagem” 

A opinião de Luís Godinho, jornalista

Já fui residente no Bairro da Malagueira. Dirigi um documentário, intitulado, “Malagueira”, apoiado pelo programa Garantir Cultura e que teve estreia no auditório Soror Mariana (em breve estará online), para o qual entrevistei residentes, o ex-presidente da Câmara de Évora (Abílio Fernandes), e os arquitetos Álvaro Siza Vieira e Nuno Lopes. Sei bem do que falo quando sobre a Malagueira escrevo. 

E, confesso, tenho até evitado fazê-lo por considerar que apesar do estado de abandono a que a Câmara Municipal o tem deixado, há um bem maior a preservar. Ou seja, tenho entendido que mau grado o desleixo dos poderes públicos – ou seja, do Município – trata-se de um bem patrimonial (não apenas cultural, diga-se, também social) de relevância a nível internacional, cuja classificação pela Unesco é plenamente justificada pela singularidade do conjunto e pelo processo que o envolveu.

Sim, a Malagueira é uma joia do património eborense. E, sim, a Malagueira tem sido sistematicamente desprezada pelos poderes municipais. É a semicúpula, que deveria marcar a centralidade deste território e que se encontra por construir, tal como a maioria dos equipamentos previstos no projeto de Siza Vieira, como a casa de chá, o hotel ou a igreja, para os quais até existe projeto. E tem sido, nos últimos tempos, a degradação do espaço público, que se acentua.

Se um exemplo fosse necessário para descrever de que se fala quando se fala de abandono e de incúria, poderia falar do caso dos dois moinhos que se degradam ano após ano, apesar de a Associação de Moradores Malagueira Viva e Vivida há muito ter apresentado um projeto para ali instalar um centro interpretativo e de acolhimento aos visitantes. Mas refiro hoje o exemplo que a fotografia documenta, o jardim – elemento estruturante no projeto de Siza Vieira – hoje transformado numa espécie de centro hípico, ou de pastagem para, pelo menos, seis cavalos.

É disso que queremos falar quando falamos da Malagueira? A mesma Câmara Municipal que gasta (só a título de exemplo e só entre julho e agosto) 18.700 euros para a “ativação da marca gráfica”, 9.700 euros para “serviços de designer”, 14.845 euros na “aquisição de mupis/outdoors/pimenteiros” e 6.420 euros em “software de produção gráfica”, não tem uns dinheiritos para garantir que o espaço público da Malagueira seja valorizado, usufruído pela comunidade, em vez de pasto para gado (equídeo ou outro)?

Nesse documentário, que referi no início deste artigo, Nuno Ribeiro Lopes, um dos mais prestigiados e reconhecidos arquitetos deste país, assinala que a Malagueira “sempre foi um projeto fundamental ao nível do urbanismo europeu”, e acrescenta que, muitas vezes, as pessoas “esquecem-se que o que interessa ver não é o aspeto final, mas o processo”. Isto é: “Se não se perceber o processo, digamos, são umas casinhas, é um bairro. Há quem goste, há quem não goste… mas o processo de organização, de construção, de participação da população foi fundamental, fez história e é interpretado em Itália, em Espanha, em todos os países europeus, como uma escola para outros projetos”.

Infelizmente, acho que o processo de destruição em curso, tem o mesmo potencial para ser interpretado e estudado a nível mundial como exemplo a não seguir. Até quando? 

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