Luís Godinho: “Despacito”

A opinião de Luís Godinho, jornalista

Lembram-se de uma música cantada em castelhano que por aí “arranha” os ouvidos: “pasito a pasito, suave suavecito”. É obra de um tal Luís Fonsi e dá pelo nome de “Despacito”, palavra que quer dizer “devagar”. Não sendo confundível com “vagar” – no contexto com que se quer construir a Capital Europeia da Cultura, sinónimo de ter tempo para concluir uma qualquer tarefa, e já agora fazê-la bem, – este “despacito” será aquilo que em bom português se poderá traduzir por “empurrar com a barriga”, “deixar andar”, ou simplesmente não fazer agora o que se pode fazer depois. Isto é, “pasito a pasito” logo se verá como a coisa anda, o que em política e obras públicas constitui sinónimo de cumprir prazos de modo “suave suavecito”.

Primeiro exemplo. Em outubro de 2023, a Infraestruturas de Portugal e o Município de Estremoz chegaram a acordo para a aquisição, pela autarquia, de um conjunto de lotes na Avenida Rainha Santa Isabel destinado à construção de uma centena de fogos, incluindo casas a renda acessível destinadas a jovens casais. Faltava apenas a assinatura do primeiro-ministro para o acordo se tornar válido.

O problema, já se sabe, é a chatice do “apenas”. António Costa não assinou logo, depois o Governo demitiu-se na sequência da operação Influencer, as eleições antecipadas foram marcadas para março, o novo Executivo tomou posse em abril e, nisto, já se passou mais de um ano à espera da maldita assinatura. Ou seja: um ano de atraso na vida de muita gente que espera por uma habitação a um preço que possa pagar. Gente que tem a vida em suspenso, ainda que isso em nada incomode os senhores do poder. Tudo muito “despacito”.

Segundo exemplo. Em junho do ano passado, o então ministro da Saúde, Manuel Pizarro, arregimentou as tropas para uma visita às obras do novo Hospital Central do Alentejo, aproveitando a presença do primeiro-ministro e, sobretudo, das câmaras de televisão para anunciar que tão importante projeto, o “mais moderno” hospital do SNS iria “entrar ao serviço das pessoas já em 2024”.

Sendo notório que 2024 já lá vai, e que a obra continua sem fim à vista, será de supor que a inauguração “em meados de 2025”, anunciada já pelo atual Governo, também não será para levar muito à letra. Isto porque ainda não há projeto de ligação elétrica, nem concurso para a construção de acessos ou para as redes de abastecimento de água e esgotos. Tão pouco foi lançado o concurso, ou concursos públicos internacionais, para a aquisição de equipamentos, que deverão custar uns 50 milhões de euros. “Suave, suavecito”.

Acresce que a ligação ferroviária entre Évora e o Caia deveria estar concluída desde 2019 e continua em obra, assim se mantendo por mais uns bons meses. Antes de entrar em exploração será necessário efetuar testes de segurança, durante alguns meses, a tal estação entre Alandroal e Vila Viçosa não anda nem desanda, e assim se condicionam investimentos privados numa altura decisiva para o novo quadro comunitário. Exemplos não faltam, neste“passito a passito” do nosso desconsolo.

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