Roberto Grilo: “A burocracia não pode ser um obstáculo para os agricultores”

Cinco anos depois, Roberto Grilo está de regresso à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo (CCDRA), entidade a que presidiu entre 2015 e 2020, desta vez para assumir o cargo de vice-presidente para a Agricultura. Florival Pinto (texto)

A nomeação pelo Conselho de Ministros surge “na sequência de terem sido atribuídos ao ministro da Agricultura e Pescas os poderes de superintendência e tutela na área da Agricultura e Pescas de cada Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional”, refere o comunicado oficial emitido por São Bento.

Natural de Elvas, o economista de 53 anos é agora “o homem do leme” da agricultura numa região onde, ao longo dos 30 anos que medeiam entre o Recenseamento Agrícola de 1989 e o de 2019, o número de explorações caiu 33,8%, situando-se pouco acima das 31 mil na última contagem.

É com este quadro de fundo que Roberto Grilo, o homem do leme da agricultura alentejana, aceita a sua primeira grande entrevista, tendo os vinhos como ponto de partida, ou não ostentasse a Serra d’Ossa o selo de Cidade do Vinho.

No atual contexto geopolítico, de risco crescente de fragmentação económica, acentuado pelos conflitos na Ucrânia e no Médio Oriente e pela recente mudança presidencial nos EUA, qual a importância do acordo UE-Mercosul para os produtores de vinho alentejanos, que têm uma parte significativa da sua produção virada para a exportação?

O acordo UE-Mercosul é uma oportunidade única para os produtores de vinho alentejanos expandirem os seus mercados. Sabemos que, em tempos de instabilidade geopolítica, diversificar as exportações é essencial para garantir a sustentabilidade do sector. Este acordo facilita o acesso a países como o Brasil e a Argentina, onde há uma crescente procura por vinhos de qualidade. Além disso, reforça a presença dos vinhos alentejanos no palco global, valorizando o nosso terroir e tradição.

Ao mesmo tempo que se criam medidas de apoio à destilação de crise, sabe-se que entram no mercado milhões de hectolitros de vinho proveniente de Espanha, que é incorporado em alguns vinhos do Alentejo. Considera importante alterar os regulamentos para impedir esta incorporação?

Essa é uma questão sensível. Por um lado, é importante garantir a autenticidade e a qualidade do vinho alentejano, que são a base da sua reputação. Por outro, temos de respeitar as regras do mercado interno da União Europeia, que promovem a livre circulação de bens. O equilíbrio está em reforçar a fiscalização e a transparência, assegurando que os consumidores sabem exatamente o que estão a comprar. Regulamentar mais, sem comprometer o funcionamento do sector, pode ser um caminho a avaliar.

O enoturismo, como complemento da produção vitivinícola, é um importante complemento do rendimento de alguns produtores. Há condições e interesse para alargar esta oferta?

Absolutamente. O Alentejo tem um potencial enorme no enoturismo, que vai muito além do vinho em si. É a cultura, a gastronomia, as paisagens únicas. Muitos produtores já perceberam isso e têm investido em experiências que vão desde visitas às vinhas a provas de vinho harmonizadas com produtos locais. O interesse existe e, com um esforço concertado na promoção e melhoria das infraestruturas, podemos transformar o enoturismo num pilar estratégico para a região.

As organizações de produtores são um instrumento importante no ganho de escala e poder negocial dos agricultores, quer no mercado interno, junto da grande distribuição, quer nos mercados de exportação. Considera importante fortalecer estas entidades? Em que medida pode o Estado contribuir para esse fortalecimento?

Sem dúvida, as organizações de produtores são essenciais para aumentar o poder negocial, especialmente num mercado tão competitivo como o atual. Para além dos Programas Operacionais no setor das Frutas e Hortícolas, o Estado pode e deve apoiar através de incentivos fiscais, financiamento direto e programas de formação e capacitação. Criar mecanismos que favoreçam a cooperação entre produtores é fundamental para aumentar a escala e competir de forma mais eficaz, tanto no mercado interno quanto lá fora. Ressalve-se que a implementação de potenciais ajudas, está dependente de financiamento e de análise em relação aos auxílios de Estado.

Refere-se com frequência que há fiscalização insuficiente do setor vitivinícola. Partilha desta opinião?

Partilho, em certa medida. A fiscalização é essencial para proteger o consumidor e garantir que as práticas no setor são justas e transparentes. Contudo, temos de garantir que essa fiscalização é eficiente, mas também desburocratizada. Não queremos criar barreiras desnecessárias para os produtores, mas sim assegurar que a qualidade e a autenticidade dos nossos vinhos são preservadas.

Uma reclamação que se ouve com frequência entre os agricultores é a complexidade dos procedimentos na obtenção de apoios. Considera importante a simplificação de certos elementos da Política Agrícola Comum?

Considero essencial. A burocracia não pode ser um obstáculo para quem já enfrenta tantos desafios no terreno. A simplificação dos processos, com recurso à digitalização e ao apoio técnico, é uma prioridade. Precisamos de garantir que os agricultores, especialmente os pequenos e médios, têm acesso rápido e claro aos apoios disponíveis.

O sector agrícola está associado a certo envelhecimento dos empresários. Que medidas podem ser tomadas para promover o rejuvenescimento da população agrícola, nomeadamente através de apoios específicos?

Atrair jovens para a agricultura exige criar condições que tornem o setor apelativo. Apoios financeiros para a instalação, acesso facilitado a crédito e formação técnica são fundamentais. Além disso, é preciso mostrar que a agricultura moderna é inovadora e oferece oportunidades a de negócio. Incentivos fiscais e a promoção de tecnologias agrícolas avançadas também podem fazer a diferença.

O despovoamento do mundo rural é uma realidade que importa inverter. Admite que a recente alteração da “lei dos solos”, permitindo a construção de habitação em zonas até agora interditas, poderá facilitar a fixação de pessoas nos concelhos do interior?

Sim, pode ser um passo importante, desde que bem regulamentado. A habitação acessível é um fator-chave para fixar famílias no interior. Mas não basta construir casas; é preciso criar condições de vida atrativas, como acesso a serviços, emprego e educação. A alteração da lei dos solos deve ser complementada por um planea- mento sustentável que assegure a coesão territorial.

Considera importante para a atração de trabalhadores à agricultura criar condições de alojamento digno nas propriedades agrícolas, como no passado acontecia, em que o monte era o centro do assento de lavoura?

Sem dúvida. A criação de habitações dignas nas propriedades agrícolas pode atrair e fixar trabalhadores, oferecendo-lhes qualidade de vida e proximidade ao local de trabalho. É uma solução prática que pode, ao mesmo tempo, revitalizar o mundo rural.

O regadio é uma componente vital da estratégia nacional da água?

O regadio é fundamental para a sustentabilidade da agricultura no Alentejo, mas também para a segurança alimentar do país. Precisamos de uma gestão eficiente dos recursos hídricos e de investimentos em tecnologias que reduzam o desperdício. O equilíbrio entre o uso sustentável da água e a produção agrícola é essencial.

Que medidas podem ser tomadas no Alentejo para modernização das infraestruturas públicas de rega e aumento da capacidade de armazenamento de água?

É necessário investir em sistemas de rega mais eficientes e ampliar a capacidade de armazenamento de água, como barragens e reservatórios. Ao mesmo tempo, precisamos de políticas que incentivem o uso sus- tentável da água, garantindo que ela chega a quem mais precisa, sem comprometer os recursos futuros.

A reformulação do Ministério da Agricultura, em que o novo responsável da agricultura de cada região é também vice-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional, vai permitir uma tutela única e uma articulação mais efi- ciente. O que podem esperar os agricultores alentejanos desta mudança?

Esta mudança vai aproximar a gestão agrícola das especificidades regionais. No Alentejo, isso significa uma maior capacidade de resposta às necessidades locais, melhor coordenação entre serviços e mais eficácia na implementação de políticas. Os agricultores podem contar com uma gestão mais próxima, focada nas suas prioridades e desafios.

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