Na manhã em que nos encontramos para gravar a entrevista, Rui Semide está particularmente satisfeito. O trabalho, na véspera, tinha corrido de forma excecionalmente bem, o que lhe permitiu ter tempo para dar uma volta noturna pela cidade. Junto a uma mesa carregada de equipamentos, a mesma que surge na fotografia destas páginas, conta que era suposto essa tarefa ter demorado muito mais tempo, e já se irá perceber porquê.
O que Rui Semide e a equipa que o acompanha pretendiam era “isolar” um determinado fotão, a mais pequena partícula de luz. “Vou tentar ser simples”, promete o investigador. “Nós temos muitos biliões de fotões à nossa volta. Um dos desafios que temos é conseguir apanhar um deles, aquele que queremos. E isso é muito difícil. Então, o que estamos a fazer, com um consultor nosso, é precisamente conseguir arranjar uma forma de filtrar aquele fotão ao nível do nanossegundo ou menos. E foi isso que conseguimos ontem”.
Daí a miríade de equipamentos naquela sala do Parque de Ciência e Tecnologia do Alentejo (PACT) onde está instalada a Entangled Space, uma startup de Évora apostada em revolucionar a segurança digital com chaves quânticas.
“No trabalho de desenvolvimento há sempre surpresas, às vezes coisinhas de nada que surgem e que é necessário resolver. Trouxe dois conectores de que precisava, vim para cá, já tínhamos trabalho bastante adiantado, mas estava à espera de maiores dificuldades. Correu tudo bem”, acrescenta.
Daqui a pouco irá explicar-se a importância da “captura” desse fotão. Para lá chegar é preciso compreender o que por aqui se passa. “Estamos a fazer uma solução de cibersegurança para o mundo pós-quântico”, resume Rui Semide. Traduzindo por miúdos: um computador quântico, que se tornará comum dentro de poucos anos, usa partículas subatómicas para fazer cálculos supercomplexos muito mais rapidamente do que os computadores tradicionais. O que, por um lado, é bom. Mas, por outro, tornará obsoletos os sistemas de segurança informática hoje existentes. A não ser, claro, que surjam novas ferramentas, como aquelas que a Entangled Space está a desenvolver.
De computadores quânticos já todos teremos ouvido falar, ainda que por enquanto não sejam uti- lizáveis. “É como se estivéssemos nos anos 50 ou 60 da computação clássica”, diz o administrador da empresa, acrescentando que, por enquanto, ainda estaremos a alguns anos de obter uma aplicação prática. “Mas essa aplicação prática irá necessariamente acontecer. E, aí, a segurança informática que usamos hoje em dia vai deixar de funcionar”.
Ora, é aqui que entra o projeto desenvolvido pela startup de Évora, recentemente premiado pela Agência Portuguesa de Inovação. Segundo Rui Semide, a ideia é “estabelecer uma chave” que permita manter a cibersegurança de alvos estratégicos, uma chave destinada a grandes clientes, como instituições governamentais ou militares. “A nossa solução não assenta na Matemática, assenta na Física, ou seja, vamos manipular as propriedades daqueles fotões e garantir essa segurança informática”. Como ele gosta de dizer, a empresa “não fará os cofres, irá distribuir as chaves”.
Criada essa chave quântica, haverá ainda o problema da distribuição. “Terá de ser por satélite, que é um nó confiável”, refere o administrador da Entangled Space. E acrescenta: “Daquilo que se sabe hoje, não é possível, utilizando, por exemplo, uma fibra ótica, transmitir uma chave, usando a distribui- ção de chave quântica, em distâncias muito grandes. Aquele fotão ir-se-á perder algures pelo caminho. A única forma de o conseguir fazer, em distâncias superiores a 200 quilómetros, é utilizando uma ligação free space, ou seja, utilizando a atmosfera ou o espaço”.
Com o projeto em desenvolvimento, “muito em breve” haverá a demonstração, em laboratório, da distribuição desta chave quântica. “Estamos ainda em modo de laboratório”, nota Rui Semide, sublinhando que a passagem da fase de laboratório a uma implementação real “ainda representa um passo significativo”. A começar pela própria distância a que se encontram os satélites. “É como se estivéssemos a apontar um telescópio a [um alvo que se encontra a] 600 quilómetros de distância. Há um nível de exigência muito grande, e muito trabalho a fazer. Mas estamos seguros que conseguimos vencer esses desafios que estão à nossa frente… já os conhecemos bem”.
Se tudo correr como previsto, dentro de cinco anos o sistema estará operacional. “Depende muito do financiamento, e estamos muito dependentes de projetos pontuais”, adverte Rui Semide, referindo que existe uma “série de desenvolvimentos” do projeto para a qual será necessário encontrar formas de financiamento. “Em breve iremos fazê-lo com mais afinco, procurar e encontrar investidores, para conseguir uma solução mais rápida. De qualquer das formas, diria que é razoável pensarmos em cinco ou seis anos para concluir o processo, o que está em linha com aquilo que ouvimos sobre a evolução da computação quântica”, conclui.