De acordo com Nuno Cacilhas, coordenador do Roteiro Levantado do Chão, o novo Centro Interpretativo “surge com a principal missão de contribuir para o estudo, a valorização e a divulgação” da obra “Levantado do Chão”, de José Saramago, “assim como de todo o contexto biográfico, histórico e etnográfico do romance que nos remete, essencialmente, para o património material e imaterial do concelho de Montemor-o-Novo”.
É o ponto central de um percurso literário que começa em Lisboa e aborda os momentos mais violentos da obra, como as prisões, as torturas e os assassinatos do regime ditatorial sobre o povo alentejano.
Nas páginas em que José Saramago narra a prisão e as torturas de João Mau-Tempo, e os assassinatos de Germano Vidigal e de José Adelino dos Santos, que surgem na obra, de acordo com a referência histórica, enquanto militantes ou dirigentes do Partido Comunista Português, a violência nas palavras é tal que verificamos claramente a intenção do autor em denunciar o terror do regime fascista e os seus mecanismos de repressão contra qualquer forma de oposição ao regime e, sobretudo, contra os militantes do PCP.
1.º Percurso
“João Mau Tempo – Resistência e Liberdade”
Este percurso pedestre tem início na Fundação José Saramago, onde o viajante é convidado a conhecer a vida e a obra deste autor, e o romance “Levantado do Chão” em particular. O restante percurso retoma as memórias das prisões e torturas infligidas a João Mau-Tempo pelo regime fascista, onde se destaca a visita ao Museu do Aljube. Simultaneamente, refaz os primeiros passos em liberdade do personagem, depois dos seis meses na prisão de Caxias.
Quando chega a Lisboa, João Mau-Tempo é preso durante um dia na prisão do Forte de Caxias, e logo é transferido para a prisão do Aljube. Aqui esteve preso 30 dias, mais seis meses no Forte de Caxias, acusado de praticar ações subversivas contra o regime de Salazar, que consistiam sobretudo na distribuição do jornal clandestino “Avante!”. Foi, como tantos presos políticos, cruelmente torturado, através da tortura da “estátua”, de agressões e humilhações.
2.º Percurso
“Montemor-o-Novo – Germano Vidigal e Adelino dos Santos”
O percurso visita os locais mais expressivos das tragédias dos assassinatos de Germano Vidigal e de José Adelino dos Santos, os dois únicos personagens da obra “Levantado do Chão” que mantêm o nome original, e os dois a quem José Saramago dedica a sua obra desde a primeira edição.
No concelho de Montemor-o-Novo, ao longo dos 48 anos da ditadura fascista, foram presos, torturados e perseguidos centenas de trabalhadores, maioritariamente militantes do PCP, mas também outros democratas, e foram assassinados dois militantes do PCP, Germano Vidigal, a 20 de maio de 1945, e José Adelino dos Santos, a 23 de junho de 1958.
Um dos pontos da visita é a praça de toiros, junto à Rua do Matadouro, no antigo Rossio. Foi nesta praça que foram encarcerados os cerca de 1500 trabalhadores rurais que participavam nas manifestações de 20 de maio de 1945. Entre a multidão, estava Germano dos Santos Vidigal (1913-1945), presidente do Sindicato da Construção Civil e dirigente da organização comunista local, que foi escolhido para dar o exemplo extremo da brutalidade da repressão fascista, sendo assassinado depois de 17 dias de tortura.
O assassinato surge no rescaldo da grande agitação social vivida na época da II Guerra Mundial, provocada pela forte crise económica que assolou o país. O povo e os trabalhadores portugueses viviam privados dos bens mais básicos como o pão ou o toucinho, que eram enviados em enormes quantidades pelo governo de Salazar para alimentar as tropas nazis. Esta crise severa levou à intensificação da revolta popular que, desde a década de 40, assume contornos políticos revolucionários.
Para tal, muito contribuiu a reorganização do Partido Comunista Português em 1940- 41, o qual exerceu uma grande influência sobre a classe trabalhadora na consciencialização e na reivindicação, através da imprensa clandestina, como “O Camponês” ou o “Avante!” – que passaram a ter uma publicação regular a partir de então –, entre outras pequenas publicações.
3.º Percurso
José Saramago em Monte Lavre
Este percurso convida o viajante a refazer os principais caminhos do escritor durante a sua estadia em Lavre no ano de 1976 e outras visitas, passando pelos principais locais onde viveram aqueles homens e aquelas mulheres que inspiraram a obra “Levantado do Chão”. Estávamos em plena Reforma Agrária e o autor foi acolhido da melhor forma, dormia na Cooperativa Vento de Leste, comia em casa da família Besuga e encontrava sempre companhia para as suas deambulações e sempre com quem conversar.
O percurso termina na Ponte Cava, com dois pontos de interesse a assinalar: um literário, por ser este sítio perto do referido moinho onde Sara da Conceição se refugiara, outro biográfico, por ter sido este um lugar de inspiração para José Saramago, na construção do Levantado do Chão.
Na Ponte Cava, o autor observava os ranchos a deslocarem-se para os trabalhos rurais e aproveitava sempre a oportunidade para meter conversa e tomar o pulso ao povo. É um percurso paralelo à Ribeira de Lavre, com zonas verdes e zonas de lazer que convidam o viajante a momentos de grande inspiração.