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Há em Mourão uma Universidade contra a solidão

São mais de 60 os idosos que integram a primeira turma da Universidade Sénior de Mourão. Luís Godinho (texto) e Gonçalo Figueiredo (fotografia) 

Aos 72 anos, a rotina diária de Domingos Fernandes, o “Pardal”, inclui ginástica e universidade. “Cantar é que não pois até consigo desafinar um grupo de cante”, diz o homem, aluno da primeira turma da Universidade Sénior Cristóvão de Mendonça, em Mourão. A alcunha vem-lhe do nome do primeiro marido da avó, que ficou conhecida por “Pardala”. O pai, que era da Aldeia da Luz, mas trabalhava como feitor numa herdade da Póvoa de São Miguel, ficou “Pardalinho”. Domingos é o “Pardal”.

Toda a sua infância foi vivida entre o monte, a vila e a aldeia. Cumprido o serviço militar, ei-lo que parte rumo a Setúbal, desenhador técnico na Setenave. “Foi o que fiz durante 30 e tal anos”. Sem nunca perder a ligação ao concelho de Mourão, em particular à Aldeia da Luz. “Vinha cá, pelo menos, três vezes por ano”. 

Ainda estava na Setenave quando a velha aldeia foi demolida e a nova construída. “Sou tão luzense como os meu conterrâneos, mas a paixão que tinha pela aldeia antiga tenho agora pela nova. E as condições de vida são francamente melhores para toda a gente”, dispara Domingos Fernandes, que depois do divórcio decidiu regressar à terra. “A minha mãe estava viúva e sozinha, de modo que vim para cá e aqui fui trabalhando até me poder reformar”.

É nessa condição de reformado que agora anda entretido nas aulas da Universidade Sénior. “Vivo sozinho na Aldeia da Luz. Ou se está em casa ou se vai para o café beber copos de vinho. Estava a ficar ansioso, a tomar comprimidos para a depressão, até que surgiu a hipótese de ter coisas para fazer aqui em Mourão”. Por “coisas” entenda-se o ginásio, cinco dias por semana, e agora as aulas. “Ainda só estou matriculado na informática, já sei algumas coisas, estou a aprender outras. Tudo isto é também uma forma de conviver com outras pessoas”.

Com pessoas como Judite Martins, 66 anos, “nascida e criada” na vila, reformada há dois meses depois de uma vida de trabalho como assistente operacional na Câmara de Mourão. “Para não ficar presa em casa resolvi inscrever-me na universidade e venho a todas as aulas… costura, ginástica, informática, até no cante me inscrevi”. 

Para Judite Martins, ficar em casa, com pouco para fazer, “seria complicado”. Assim, “tendo este ritmo todos os dias, que me obriga a sair de casa e ensina coisas novas, acaba por ser compensador. E convivemos. Ficar presa em casa é que não”.

António Rodrigues é um dos formadores. Ensina artes plásticas, mais propriamente cerâmica, arte a que se começou a dedicar “por acidente”, quando a fábrica da Portucel, onde trabalhava, encerrou devido à construção da barragem de Alqueva. “Na altura fiquei sem emprego e como tinha tempo livre criei um atelier de cerâmica”. Desde pequeno que tinha pendor para as artes plásticas: “Fazia coisas para mim e para os familiares, ainda dei aulas de trabalhos manuais em Mourão e em Reguengos de Monsaraz, mas depois fui chamado para a Portucel e tudo isso parou”.

Foram os mestres Velhinho e Guimarães, já falecidos, que lhe ensinaram os segredos de moldar o barro, em São Pedro do Corval. Às aprendizagens dessa altura juntou o seu cunho pessoal, “sobretudo a nível do design e da cor, mas também com a utilização de pastas diferentes, com uma componente mais contemporânea”.

À Universidade Sénior, António Rodrigues traz conteúdos programáticos destinados a encorajar os alunos a “meterem as mãos na massa”. Até ao Natal o desafio será que todos possam aprender a fazer uma das peças do presépio, que depois ficará exposto no Museu da Luz. 

“Estamos com as primeiras abordagens, sobre o que é a cerâmica, as pastas, temperaturas a que cozem, e isso começa a gerar vontade de saber como se faz”. Outra ideia será desenvolver um projeto de criação artística em torno das candeias de azeite, recolhendo modelos antigos e fabricando novos, também com o objetivo de organizar uma exposição.

Para a coordenadora da Universidade, Mara Leal, a ideia foi “encontrar respostas” para uma faixa etária superior aos 55 anos. “Temos muita gente nestas faixas etárias que acabava por estar em casa, já estão reformados, não têm o que fazer, ficavam isolados, muitos deles já nem sequer têm os filhos por perto”. Daí à depressão pode ser um salto. “Assim vamos ajudando a que convivam uns com os outros, e ao mesmo tempo surgem novas aprendizagens”.

Mara Leal conta que, no total, há 62 idosos envolvidos, 25 dos quais na ginástica, 37 nas disciplinas de artes decorativas, música, cante e tuna, costura e informática. “Estão muito entusiasmados. A primeira semana foi para a apresentação de cada uma das disciplinas, a assiduidade tem sido boa e estão todos muito dispostos a trabalhar e a aprender coisas novas”, garante.

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