Em causa está a autorização para os agricultores que beneficiam de apoios agroambientais poderem começar a ceifar os cereais de sequeiro dentro das Zonas de Proteção Especial (ZEP) estabelecidas para a preservação de aves estepárias, o que conduzirá “a uma verdadeira chacina das pequenas crias de abetardas e de águia caçadeira”.
“Isto significa que o apoio público para fins de conservação está a contribuir, na prática, para a extinção de algumas das mais emblemáticas aves estepárias – grupo de aves que dependem de sistemas agrícolas associados à rotação cereal-pousio”, acrescenta a Zero, incluindo também neste grupo de aves o alcaravão, o francelho ou o sisão. “É urgente uma mudança na configuração e aplicação destas medidas de apoio”, defende.
Entre as várias ZEP para a conservação das aves estepárias estão as Campo Maior, Castro Verde, Cuba, Évora, Monforte, Mourão/Moura/Barrancos, Piçarras, Reguengos, São Vicente, Torre da Bolsa, Vale do Guadiana, Veiros e Vila Fernando.
A associação explica que a gestão efetuada pelos agricultores nas referidas áreas – “a maior parte dos quais apoiados por medidas agroambientais, pagas com verbas nacionais e comunitárias” – resulta, em norma, “numa combinação entre produção de feno para alimentar o gado e produção de cereais, como o trigo, a cevada ou a aveia, para futura comercialização do grão, o que criou uma armadilha fatal que inviabiliza o sucesso reprodutivo da abetarda e de águia-caçadeira”.
Isto porque “ao permitir-se que as datas do corte de feno se realizem em maio, contribui-se para a eliminação das crias de abetarda – que abandonam o ninho pouco tempo após nascerem, mas só mais tarde é que conseguem voar – e das crias de águia-caçadeira” que por essa altura ainda estão no ninho.
“Como estas espécies têm capacidade de realizar uma segunda postura, caso não haja sucesso reprodutivo inicial, as mesmas vão procurar as áreas de cereal que se encontram disponíveis para fazerem os ninhos. Ora, ao antecipar-se o corte dos cereais para junho, as segundas posturas e/ou as pequenas crias são totalmente destruídas”, acrescenta a Zero, lembrando que o “insucesso reprodutivo destas aves” tem vindo a conduzir, ano após ano, ao declínio do efetivo.
A Zero identifica “diversas fragilidades no atual modelo de apoio aos agricultores para que estes possam contribuir para uma conservação efetiva das aves estepárias”, a começar pela “fraca atratividade gerada pelos montantes financeiros disponibilizados para o efeito, aos quais é adicionada uma absurda redução de apoio que prejudica quem tem mais área – situação que apenas contribui para que a componente económica associada ao resultado da venda dos cereais ou da aposta na produção de gado tenha um peso pouco relevante na decisão de contribuir ou não para a salvaguarda das referidas aves”.
Os ambientalistas asseguram que a situação “dificilmente se inverterá” se se mantiver “um modelo imoral de apoios públicos que, na prática, em vez de proteger as aves estepárias está, de forma direta e irresponsável, a contribuir para o seu desaparecimento, já que involuntariamente transforma os agricultores em agentes da destruição dos valores naturais quando estes poderiam ser, de forma empenhada, promotores ativos da conservação destas espécies ameaçadas de extinção e dos seus habitats”.