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Bênção da chuva não desfez preocupações dos agricultores alentejanos

Alqueva encheu, mas há barragens à míngua, como as de Santa Clara e Monte da Rocha, onde este ano haverá ainda mais restrições à rega. A chuva pôs fim à seca em boa parte da região e abriu perspetivas para um ano agrícola acima da média. Ana Luísa Delgado (texto) e Cabrita Nascimento (fotografia)

Com a barragem de Alqueva quase cheia, a apenas meio metro da cota máxima, e com a campanha de regadio já iniciada, os agricultores perspetivam um ano acima da média, seguramente muito diferente do que sucedeu nos últimos dois, marcados pela seca. Mas há preocupações que subsistem, sobretudo no sul da região.

Enquanto na bacia do Tejo há barragens à cota máxima, como Montargil ou Maranhão, e outras a mais de meio, como o Divor ou os Minutos, na do Mira a média de armazenamento ronda os 50% (deveria ser superior a 75%). Já na bacia do Guadiana, à exceção da Vigia, todas as albufeiras alentejanas estão acima dos 90% da sua capacidade de armazenamento, embora isso se deva, em parte, à transferência de água a partir de Alqueva, paga pelos agricultores.

“Basta passar nas estradas deste Alentejo interior, olharmos para o arvoredo, para os montados de sobro, está tudo com outro aspeto, completamente diferente do ano passado”, desabafa Rui Garrido, presidente da Federação das Associações de Agricultores do Baixo Alentejo, esperançado num bom ano agrícola. No sequeiro, a chuva representou um alívio para os produtores pecuários, deixou “muita forragem, muita erva” que irá assegurar a alimentação dos efetivos, e o potencial de crescimento “dos poucos cereais que ainda se fazem” é bom, abrindo “perspetivas de uma produção muito diferente” da registada em 2023.

“Os solos têm humidade, não há comparação com o que sucedeu o ano passado. Nesta altura já estávamos em campanha de rega, ao contrário deste ano”, diz Rui Garrido. Ainda assim, o tempo aqueceu, o que já obrigou a colocar em funcionamento alguns pivôs de rega, sobretudo em olivais e amendoais, também noutras culturas intensivas. “Temos de estar sempre muito atentos, muitos agricultores já fazem a monitorização da água no solo e recorrem à rega quando necessário”. Sendo que este ano a disponibilidade de água está assegurada, à exceção das albufeiras mais a sul.

No Perímetro de Rega do Mira, onde o ano passado houve um “corte drástico” na água destinada aos cerca de 12 mil hectares de regadio, com a barragem a 36% da sua capacidade máxima nesta altura do ano, a situação não está substancialmente diferente. O volume armazenado no final de abril era de 204 milhões de metros cúbicos, que correspondem a 42%, o que obrigará a novas restrições.

De acordo com a Associação de Beneficiários do Mira (ABM), cada regante “não poderá consumir mais de 95% do que efetivamente utilizou em 2023”, a área a regar não poderá ser superior à do ano passado e a rega das culturas não alimentares, como relva e espaços verdes, “é restringida totalmente”. Mantêm-se também os volumes máximos para abeberamento dos animais, que no caso dos bovinos não poderá ultrapassar os 25 metros cúbicos por cabeça/ano.

Sublinhando “a necessidade de incrementar a restrição ao consumo de água para rega”, a ABM explica que o aumento das restrições “deve permitir uma adaptação progressiva das explorações agrícolas a estas condições, minimizando sempre que possível situações de redução significativa e abrupta do fornecimento de água com impactos negativos muitos significativos a nível económico e social na região”. E deixa uma advertência: “a manter-se a tendência verificada nos últimos anos, em 2025 haverá um novo plano de contingência cujo nível de restrições será adequado às disponibilidades hídricas que vierem a existir”.

Na bacia do Sado, as barragens de Campilhas e do Monte da Rocha continuam muito abaixo da média, em particular esta última que já não enche há mais de 10 anos e que se encontra a 22% da sua capacidade máxima, ou seja, com água que mal chega para o abastecimento público aos concelhos de Castro Verde, Ourique, Almodôvar, Mértola e Odemira, quanto mais para rega.

Aqui, o problema deverá estar ultrapassado em 2025 depois de um investimento de 27,1 milhões de euros, cujo contrato já foi assinado, e que permitirá ligar o Monte da Rocha a Alqueva. Para o presidente da Câmara de Ourique, Marcelo Guerreiro, a obra “irá contribuir para a afirmação da capacidade produtiva” da região, mas também “para a sustentabilidade do abastecimento de água para consumo humano e para a geração de dinâmicas positivas para as pessoas e para as nossas terras”.

António Parreira, presidente da Associação de Beneficiários do Roxo (ABR) perspetiva um “ano normal de rega” nos mais de oito mil hectares do perímetro que abrange os concelhos de Aljustrel, Ferreira do Alentejo e Santiago do Cacém. “O Roxo só não está numa situação idêntica à do Monte da Rocha ou de Santa Clara porque fizemos entrar água de Alqueva, ainda em 2023. Caso contrário, estaríamos na mesma situação, com falta de água e grandes limitações à rega”, acrescenta António Parreira, lembrando que a seca é uma inevitabilidade nos campos do Alentejo. 

“Temos um clima mediterrânico, com anos mais chuvosos e outros menos, com períodos bastante longos sem chover, e o importante é que se pense em reforçar a capacidade de armazenamento e os transvases dentro da mesma bacia hidrográfica ou em bacias contíguas”, defende o presidente da ABR. Trata-se de “aproveitar os cursos de água que neste momento vão parar ao mar” canalizando-os para a atividade agrícola, mas também com preocupações ambientais: “quando deixa de chover, os ribeiros e riachos ficam secos, pelo que armazenar essa água mantendo caudais ecológicos é muito melhor para a fauna e para a flora”.

Assegura António Parreira que, feitas as contas à precipitação anual, “nem o país, nem a região têm falta de água, temos falta é de capacidade para a armazenar”. Daí que também lembre já existirem estudos sobre outra medida que ajudaria a mitigar o problema: canalizar outros cursos de água para as barragens já construídas, o que permitiria aumentar as fontes de abastecimento.

“NÃO ESTÁ MAL ENCAMINHADO”

Regressando ao sequeiro e aos cereais, Fernando Rosário, presidente da Cooperativa Agrícola de Beja e Brinches, reconhece que o ano “não está mal encaminhado”, antes pelo contrário. A chuva ajudou, a evolução das culturas nos campos “tem sido bastante boa” e, depois de um ano como o de 2023, um dos “piores de sempre” no que aos cereais diz respeito, desta vez tudo se encaminha para uma campanha “talvez até acima da média”. Há, no entanto, que ter cautelas com as previsões, pois “tudo pode ficar muito diferente” de um momento para o outro.

Face à ocorrência de períodos de seca “mais densos”, e em que a precipitação é muito intensa, mas menos frequente, Fernando Rosário concorda que a prioridade terá de ser “aumentar a capacidade de retenção, para depois conseguirmos fazer uma melhor gestão da água que nos irá fazer muita falta”. Dito de outro modo: “Num ano como este, generoso de água, deveríamos ter instalada uma maior capacidade de armazenamento que nos garantisse maior estabilidade e capacidade de resposta em períodos de seca que são cada vez mais intensos”.

“FALTA ESTRATÉGIA”

Apesar da situação de seca estar ultrapassada em boa parte do Alentejo, a Confederação dos Agricultores de Portugal critica a “ausência de uma estratégia nacional para lidar com a escassez de água”, considerando essencial “a concretização de investimentos nas obras públicas de regadio, promovendo a sua recuperação e modernização, e reduzindo ao mínimo as perdas que atualmente se verificam”.

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