Nascido em Évora em 1973, Joaquim Arnaud largou os estudos aos 18 anos e mudou-se de Cascais para o Alentejo para trabalhar na lavoura. Tem sido um autodidata, apaixonado por história e pelo campo, com a preocupação de transmitir ao filho, Joaquim, a beleza do mundo rural. Gere uma casa agrícola com 850 hectares onde convive o gado, a vinha, o olival e as pastagens, em modo de produção biológico, sempre com o cuidado de distribuir os ovos por vários cestos.
A agricultura faz parte do ADN da sua famí– lia. Sempre sentiu o apelo da continuidade?
A agricultura está na minha família há séculos, assim como o nome Joaquim. O meu pai, o meu avô e o meu bisavô chamavam-se Joaquim Arnaud e agora também tenho um filho com o mesmo nome. O meu bisavô foi presidente da Assembleia Geral da Associação Central de Agricultura e portanto sempre tivemos esta ligação. É tão natural como beber água. Desde pequenino que ía a Pavia ver os borregos, as vacas, os campos semeados. Agora com o meu filho faço exatamente o mesmo. Isto não é meu, mas sinto a obrigação de manter e cuidar para a geração seguinte. Ainda antes do meu filho nascer já eu dizia que isto era para ele, e depois perguntavam-me que idade tinha e eu respondia que ele ainda não tinha nascido. Atualmente vivemos em Cascais, e o meu filho leva touros, vacas, ovelhas de brincar para a escola enquanto os outros miúdos andam com os homens-aranha. Creio que temos de pôr os miúdos, desde pequeninos, a estarem com os cães, com as vacas, a não terem medo dos animais, deixá-los brincar na terra, sujarem-se… o apelo ao campo começa em nós.
O que o fez largar os estudos e ir para Pavia?
Aos 18 anos tive de ir para Pavia recuperar a exploração, caso contrário corríamos o risco de ficar sem nada por conta de uma dívida que tínhamos com juros altíssimos. A primeira coisa que fiz foi comprar umas novilhas lindas. A partir daí decidi meter os ovos em vários cestos para que, quando uma coisa corresse mal, ter a outra. Aqui em casa há registos das sementeiras e de outros assuntos inerentes à lavoura de 1880. Fui lê-los e fiz exatamente o mesmo que se fazia nesse tempo. Esta diversificação permitiu-nos ter uma casa agrícola sólida, sem endividamento bancário. Não crescemos muito, é verdade. Mas vamos passo a passo. Agora vendemos os vitelos ao desmame e, por isso, não engordamos. Mas no passado já fiz rações em casa, semeei ervilhas e depois moía tudo, pegava noutro cereal e misturava. Sou muito de olhar para as coisas e ver o que é preciso. Nessa altura não largava o bezerro e via o resultado desta alimentação diariamente. Mas para se fazerem este tipo de coisas é necessário estar mais tempo na exploração e, agora, nesta fase da vida, não estou tanto, por isso tenho de simplificar.
Qual a sua estratégia para a minimizar a degradação dos solos?
Creio que temos de florestar mais, aliviar os solos do gado durante um tempo e plantarmos, sobretudo, azinheiras e sobreiros para deixarmos melhor do que encontrámos. Por exemplo, eu tenho vacas no montado. No entanto, a médio prazo, quero fazer um adensamento e retirar o gado durante cinco ou 10 anos para as árvores se fazerem. Depois introduzir lá o porco alentejano, pois a nossa exploração é maioritariamente de azinho. Mais tarde, quero poder reintroduzir as vacas para termos diversificação. Aí terei de voltar a morar no Alentejo, que é um dos meus objetivos de vida.
Começou com o gado e depois apostou na vinha. Foi o instinto que o conduziu?
O vinho foi criado para ir mantendo a casa, construída pelo meu bisavô, uma antiga fortaleza, no centro de Pavia, que exige muita manutenção. Por vezes, olho para uma janela aqui em casa e penso que foi mais uma que o vinho “restaurou”. A vinha foi plantada em 2001 e a implantação correu mal porque as videiras vinham com uma doença nas raízes. No primeiro ano esmoreci e abandonei a vinha, mas houve algumas plantas que sobreviveram e são essas que nós trabalhamos atualmente. São videiras que produzem pouco, mas a uva é de grande qualidade. Como estamos em sequeiro e não usamos herbicidas, nem agroquímicos, estamos a falar de produções baixas, 2500 quilos de uva por hectare, e preciso de dois quilos de uva para fazer uma garrafa de vinho. Confio muito no instinto. Em relação à uva prefiro provar do que guiar-me pelo grau que a máquina indica.
Quais são as variedades que elegeu para plantar?
Em sete hectares de vinha tenho Aragonês, Trincadeira, Syrah e a casta-rainha, a Alicante Bouschet, que dão origem ao vinho tinto com a marca Arundel, em homenagem aos condes de Arundel, meus antepassados. Também temos um pouco de Arinto que geralmente misturamos com o tinto. Temos uma pequena adega, no espaço onde antes se encontrava o armazém agrícola. Depois existe a marca Joaquim Arnaud. Faço a vinificação, mas a uva vem de todo o território nacional. Vendo para a restauração através de vários distribuidores espalhados pelo país. Em Évora, por exemplo, é o Jorge Falé que vende os meus vinhos.
Na agricultura nacional poucos são aqueles que criam uma marca. Tem alguma explicação para isso?
Bem, agora vou ser politicamente incorreto, mas estamos no Alentejo e, infelizmente, os alentejanos sempre foram individualistas, tal como os ribatejanos. No Norte isto não se passa, há mais cooperação. Creio que tem tudo a ver com a questão da pequena propriedade. Tentei, aqui há anos, juntar quatro ou cinco agricultores para fazermos coisas em conjunto e não funcionou. Também porque creio que a maior parte dos agricultores não são comerciais. O alentejano não tem aquela garra, não quer ser chateado. Desde que mantenha aquilo que tem, está bem. Eu sou um alentejano “cruzado”. Sempre tive uma veia comercial que vem do Oeste, a região de onde a minha mãe é natural. Em 1998 abri uma empresa de adubos, uma espécie de cooperativa. Durante dois ou três anos funcionou bem, mas depois apercebi-me que o agricultor estava a gastar menos dinheiro e, eu próprio, a semear cada vez menos. Acabei por converter a empresa, e houve um ano em que vendi duas mil roseiras a uma empresa do Norte para esta distribuir pelos funcionários. Saber dar a volta e ter resiliência na vida é fundamental porque a única coisa a que não consigo dar a volta é à morte, embora ande a tentar negociar isso.
Essa resiliência de que fala é o motor para estar sempre à procura do próximo projeto?
Tenho a preocupação de manter sempre o ‘core business’ embora tente fazer outras coisas. É a minha veia do Oeste. Por exemplo, somos parceiro da Feira do Chocolate de Óbidos. Exploramos o winebar da Câmara Municipal de Óbidos. Esta relação surge na sequência de meu avô ter sido presidente da Câmara Municipal de Óbidos. A história está sempre presente na concretização dos meus projetos.
Voltando ao gado, tem no seu portefólio o presunto de vaca…
É um presunto especial, feito em Espanha há muitos anos, na zona de León, com um sabor completamente diferente do presunto de porco. É comido cru às fatias, cortadas muito finas. As peças de vaca são curadas em frio na zona de León. Nós vendemos as vacas, rastreamo-las e depois volta- mos a adquirir partes do animal que são transformadas em presunto de vaca. Ficámos fascinados com a industrialização e agora estamos a voltar ao artesanato, à forma de como se fazia antigamente. Somos portugueses, mas também somos ibéricos, e porque não havemos de ir buscar aquilo que os espanhóis fazem bem? Vendo o presunto de vaca, a cecina, sobretudo em eventos e fica muito bem na salada de agrião com um fio de azeite.
Por falar em eventos, organiza anualmente o Joaquim Arnaud & Friends em Pavia. Como surgiu esta ideia?
Trata-se de um encontro para dar a conhecer os nossos produtos a partir de casa. Juntam-se o vinho, os enchidos, o queijo, o pão, o arroz e amigos produtores à volta da mesa. Temos também uma mostra de produtos locais, provas de vinhos e workshops. Costuma ser no dia 1 de dezembro, mas este ano pensámos que corríamos menos riscos climatéricos se acontecesse em junho. Por isso, em princípio, será no próximo dia 10 de junho, uma data com um significado forte para o nosso país.
Como se cativa um jovem a ser agricultor?
Isto é um trabalho que se faz desde pequeno. A agricultura é encarada como uma profissão difícil, um trabalho duro. Cabe-nos desmistificar este lado menos positivo, mostrando que é também desafiante, e que se podem fazer coisas completamente diferentes. Temos de saber vender aquilo que somos, “os guardiões da Europa”. Mantemos a natureza para as gerações vindouras. Penso também que os agricultores devem abrir a porta das suas explorações, darem a conhecer o que fazem e como o fazem. Não podemos estar à espera que as coisas caiam do céu, ou que seja o Estado a arcar com tudo. O Estado também tem muito que fazer. Temos de abrir as portas, mostrarmos que não somos nenhum “bicho papão”, que a carne é boa e que as vacas não são assim tão prejudiciais para o ambiente como se pensa. O tipo de exploração que fazemos aqui no Alentejo é benéfica do ponto de vista ambiental.